Jornalões contra a construção da Nova Capital

De Marmelândia a Kubitschekolândia. De símbolo da humilhação a local de degradação. A criatividade dos editorialistas cariocas durante a construção de Brasília foi longe. A grande imprensa do Rio de Janeiro, cidade que começava a se despedir do status de capital da República, criticou ferozmente o presidente Juscelino Kubitschek. A exceção era Ultima Hora, de Samuel Wainer. O jornalista tinha, explicitamente, negócios com JK.



A seguir, trechos do volume 5 da série Cadernos da Comunicação. O livro traz a reação dos periódicos cariocas à Nova Capital, forma como era chamada Brasília entre as décadas de 1950 e 60.

A turma do contra*

A notícia da construção da nova capital ocorreu num momento de euforia mundial, no fim da Segunda Grande Guerra, mas não foi bem recebida. Foram muitas as tentativas de impedir que a cidade fosse inaugurada em 21 de abril de 1960. Acusavam Brasília de ser a responsável pelo aumento da inflação e diziam que o dinheiro gasto com a construção da cidade poderia ser usado no Rio de Janeiro.

Poucos acreditavam que JK cumpriria suas promessas. Contavam que os operários da construção sobreviviam a pão e rapadura, que a Cidade Livre parecia um faroeste, que não tinha nem cemitério, que a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) pagava preços superfarturados às empreiteiras. A imprensa, principalmente a carioca, era contra a mudança da capital.

O Correio da Manhã, importante jornal do Rio de janeiro, foi um dos mais ferrenhos adversários desde que Juscelino mostrou-se disposto a levar a cabo sua empreitada. Em 20 de outubro de 1956, publica a matéria “Futuro romântico”, pressagiando que as obras da futura capital ficariam inacabadas e acabariam se tornando ruínas. Em 24 de março de 1957, no editorial “Pirâmide brasiliense”, acusa o presidente de megalomania e vaidade sem limites:

“Com os setecentos milhões de cruzeiros dados à pirâmide do sr. Juscelino Kubitschek, o Rio de Janeiro, cidade sem água, sem hospitais, sem escola, sem higiene, sem transportes, resolveria os dramáticos problemas que a estão tornando inóspita e inabitável.“

Na mesma época, o Diário de Notícias, do Rio, ironizava:

“Esse Juscelino é de amargar! Em Brasília, bem, não haverá postes! — Esse governo dificulta até a vida dos cachorros!”

Outro adversário de peso da mudança da capital era o jornal carioca Tribuna da Imprensa, dirigido por Carlos Lacerda. Lacerda nunca poupou o que chamava de “esquema JK”, “o mesmo sistema perdulário e de falcatruas de Getúlio com o dinheiro do Banco do Brasil”.

No pólo oposto, estava a Ultima Hora, de Samuel Wainer. [...] Em suas memórias, Wainer mostra-se grato a JK “e seus amigos”. “Eles me ajudaram a liquidar os débitos. No campo dos negócios, aliás, JK foi bem mais generoso comigo que o próprio (Getúlio) Vargas”, diz textualmente.

Parte da imprensa era da opinião de que a construção da cidade era uma das causas mais importantes do aumento da inflação e da transferência de recursos destinados à previdência social para as despesas com as obras no Planalto Central. Eram os pontos preferidos das críticas de O Globo, outro ferrenho adversário da mudança da capital:

“Eis que agora surge uma nova Brasília**, que começa com um campo de pouso no planalto goiano. Muitos estudos foram feitos, muito tempo foi gasto. As comissões técnicas estudaram, o Congresso deliberou e o presidente JK assinou o decreto batizando a Nova Capital. Enquanto isso, mineiros aos milhares protestam contra o que chamam de usurpação. De um nome que lhes pertence desde 1901." (O Globo, janeiro de 1957)

(*) TEXTO EXTRAÍDO do volume 5 da série Cadernos da Comunicação, lançado pela Prefeitura do Rio em 2002.

(**) Do início do século 20 até a década de 1960, uma pequena cidade ao Norte de Minas Gerais carregou o nome de Brasília. Com a criação da Nova Capital, o município passou a se chamar Brasília de Minas.