Logo no início do século 20, os cariocas já se viam diante de uma polêmica que tomou proporções de guerra. Naquela época, com pouco mais de 700 mil habitantes, a cidade do Rio de Janeiro entrou em polvorosa com a Lei da Vacina Obrigatória, em novembro de 1904. A medida apresentada por Oswaldo Cruz tinha o objetivo de combater pestes que pipocavam em esquinas da capital. Porém, a população não gostou muito da ideia – assim como boa parte da imprensa. Cada jornal tinha o seu objetivo, alguns deles políticos, em posicionar-se contra a vacina.
A seguir, resumo do capítulo publicado no volume 16 dos Cadernos da Comunicação. O texto traz a cobertura dos jornais do Rio nos dias que antecederam a Revolta da Vacina.
A imprensa dividida*
A forma incisiva adotada pelos jornais na escolha de posição contra ou a favor da polêmica lei dividiu as empresas de comunicação em dois blocos no início da cobertura sobre o assunto. Em seus editoriais, os jornais trataram de definir aos leitores o ponto de vista defendido. Mas a opinião foi além do espaço reservado como canal da empresa com o público, e chegou claramente às matérias que divulgavam os acontecimentos. No bloco oposicionista, coube ao Correio da Manhã a liderança.
O jornal A Tribuna esclareceu ser a favor da vacina, mas não de forma obrigatória. Para o veículo, caberia ao governo garantir a adesão da população através do convencimento, com o uso da propaganda, como defende o texto publicado em 8 de novembro de 1904:
“Embora convencidos de que a vacina jenneriana ainda é o único preservativo contra a varíola, temos combatido sempre nestas colunas a obrigatoriedade da vacinação, pensando que mais conseguiriam os adeptos deste meio profilático com a propaganda do que com a lei da coerção alcançada pelo governo do Congresso, onde uma minoria relativamente pequena pretendeu impugnar a sua passagem, combatendo com vigor o projeto do Senado...”
A Gazeta de Noticias, em editorial de 23 de junho de 1904, defendeu com veemência a obrigatoriedade da vacina, alegando que, por tratar-se de uma doença contagiosa, não poderia haver a opção individual da recusa.
Antes do combate à vacinação obrigatória para deter a varíola, o Correio da Manhã já havia criticado medidas de profilaxia adotadas pelo governo, como o regulamento de higiene. O texto, publicado em 11 de março de 1904 e assinado por Gil Vidal, chamava a nova lei de “código de torturas”:
“Realizaram-se as nossas previsões quanto aos regulamentos dos serviços sanitários a cargo da União. O que, sob seu nome, publicou ontem o Diário Oficial, compreende um verdadeiro código de torturas para a população desta cidade.”
Acirrando os ânimos da população, o Correio da Manhã publicou a lista de abaixo-assinados contra a Lei da Vacina Obrigatória, divulgou reuniões do Centro das Classes Operárias, sempre citando generosos números de participantes, e incentivou a revolta usando os piores adjetivos para denominar a nova ordem.
“Jornais como o Correio da Manhã tentaram se aproveitar do projeto de vacinação obrigatória para desgastar politicamente o governo. Nos meses que antecederam a revolta, o jornal publicou reportagens insistentes apontando a suposta violência do projeto, que viria a ferir os direitos individuais dos cidadãos. Não podemos, porém, ver em tal campanha um fator determinante para os acontecimentos de novembro – pois mesmo quando tais jornais oposicionistas recuam, com temor da reação popular, os conflitos de rua se intensificam, mostrando que eram outras as motivações de boa parte dos revoltosos.” (depoimento do historiador Leonardo Affonso de Miranda Pereira).
Mas o Correio da Manhã não estava sozinho na oposição. Vislumbrando a chance de voltar ao poder, o movimento monarquista, liderado por Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto – que chefiara o último Conselho de Ministros do Segundo Reinado – usou como pôde a divulgação das notícias nos jornais para desestabilizar o governo republicano. Afonso Celso colaborava em vários jornais da capital federal. E o Jornal do Brasil tinha como sócios comendadores, viscondes, conselheiros e barões da extinta dinastia de Bragança, deposta em 1889.
A influência ideológica expressa nas páginas dos jornais acabou suavizada pela força da notícia em estado bruto. A revolução ganhou corpo e as mortes e prisões começaram a acontecer. Era a hora de buscar os fatos, sob o desafio de fazer a melhor cobertura jornalística.
(*) TEXTO EXTRAÍDO do volume 16 dos Cadernos da Comunicação, lançado pela Prefeitura do Rio em 2006.